Quem entrou na universidade ?

, La Habana | 02/09/2014

Nuevos ingresos a la universidad. (14ymedio)

Nasceram em pleno Período Especial, viveram aprisionados na dualidade monetária e quando obtiverem seu diploma Raúl Castro já não estará no poder. São mais de cem mil jovens que acabam de ingressar no ensino universitário em todo o país. Em sua curta biografia incluem-se experiências educacionais, batalha de idéias e a irrupção das novas tecnologias. Sabem mais de X-Men que de Elpidio Valdés e só se lembram de Fidel Castro em velhas fotos e documentários de arquivo.

São os garotos do Wi-Fi e das redes piratas, criados com o pacote de audiovisuais e da antena parabólica ilegal. Passam madrugados conectados através de routers, metidos em videojogos de estratégia onde se sentem poderosos e livres. Quem tenta conhecê-los deve saber que tiveram professores emergentes desde a escola primária e através da tela de uma televisão lhes ensinaram gramática, matemática e ideologia. Contudo, terminaram sendo os cubanos menos ideologizados que hoje povoam esta Ilha, os mais cosmopolitas e com maior visão de futuro.

Ao chegar à secundária básica brincaram de arremessar o pão da merenda obrigatória enquanto seus pais passavam furtivamente o almoço através da cerca da escola. Tem uma capacidade física especial, uma adaptação que lhes tem permitido sobreviver ao meio: não escutam o que não lhes interessa, fecham os ouvidos ante as arengas dos matutinos e dos políticos. Parecem mais indolentes que os de outras gerações e realmente o são, porém em seu caso essa apatia se comporta como uma vantagem evolutiva. São melhores do que nós e viveram num país que nada tem a ver com o que nos prometeram.

Faz uns meses estes mesmos jovens protagonizaram o mais famoso caso de fraude escolar que tenha vindo a público. Quem duvida que entre os que conseguiram entrar no ensino superior, alguns tenham comprado as respostas de um exame de ingresso? Estão acostumados a pagar para aprovar, pois tiveram que apelar a ensino particular para que lhes ensinassem os conhecimentos que a escola deveria lhes dar. Muitos dos recém matriculados na universidade tiveram professores particulares desde a escola primária. São os filhos de uma nova classe emergente que usa seus recursos para que seus filhos alcancem uma escrivaninha a direita – ou a esquerda – da Alma Mater.

Estes jovens vestiram-se com uniformes em seus cursos escolares anteriores, porém batalharam para se diferenciar por uma camisa, numa mecha de cabelo descolorido ou através da calça abaixo das cadeiras. São os filhos de quem tinha apenas uma muda de roupa de baixo nos anos noventa, o que fez que seus pais tratassem de que: “não passem pelo mesmo” e tenham apelado ao mercado ilegal para vesti-los e calçá-los. Riem-se da falsa austeridade e não querem luzir como milicianos, gostam das cores intensas, dos brilhos e dos adornos de marca.

Ontem, quando inauguravam o curso escolar, receberam uma peroração sobre as tentativas do “imperialismo de sabotar a Revolução através da juventude”. Foi como um chuvisco que escorre sobre superfície impermeável. Tem razão o Governo em se preocupar, estes jovens que entraram na universidade nunca serão bons soldados nem fanáticos. A argila que os constitui não é maleável.

Tradução por Humberto Sisley

Colheita de tempestades

Hoje, enquanto publico este texto, milhares de estudantes de Havana estão sentados frente a sua prova de matemática. O cronograma de ingresso na Universidade incorporou esta nova chamada depois de um escandaloso caso de fraude. O vazamento e a venda das questões acabaram por anular a prova anterior, três professores foram detidos e um número incerto de alunos investigados.

Mesmo que a prática fraudulenta seja comum nas escolas cubanas, este caso provocou uma profunda reflexão na sociedade, inclusive nos meios oficiais de comunicação. Temos visto na telinha dezenas de entrevistas de gente que repudia a falsidade de colar e a mentira da apropriação de conhecimentos. Todas as pessoas consultadas dizem ser contra semelhante fraude. Poucas, ou nenhuma, refletem sobre o ambiente de hipocrisias, duplicidades e simulações em que estes adolescentes, que agora têm entre dezesseis e dezessete anos, cresceram.

Esta fornada de alunos, justamente, foi educada sob alguns experimentos educacionais como os chamados professores emergentes. Há maior fraude que ter alguém em sala dizendo ser professor sem possuir os valores éticos nem os conhecimentos para exercer tão digna profissão? Como pedir-lhes honestidade se a tela da televisão por meio das quais receberam suas aulas, jamais conseguiu lhes transmitir códigos morais adequados? Estes rapazes que agora enfrentam uma prova de matemática são filhos diretos da minha geração, rodeada de resultados acadêmicos artificiais e de qualificações exageradas.

Vale a pena lembrar que durante décadas as escolas e os professores não conseguiram que suas turmas estivessem acima dos noventa pontos ou perto dos cem, eram questionados, tiravam-lhes a emulação e até recebiam sanções administrativas e materiais. Era a época em que todos deviam aprovar de qualquer maneira. Nesses tempos Fidel Castro lia da tribuna os resultados acadêmicos dos pré-universitários com altas notas, sabendo – em seu foro íntimo – que aquilo era uma grande mentira criada para ele.

Tornou-se freqüente que os professores ditassem as perguntas da prova com antecedência, passassem pela carteira dos que se demoravam mais para “soprar” as respostas, ou – simplesmente – saíssem da sala deixando os alunos sozinhos para que pudessem copiar as respostas uns dos outros. Para quem estudava com afinco sempre foi muito frustrante a cumplicidade de tantos professores e técnicos em educação com a prática da fraude acadêmica. Nós somos os pais desta geração que hoje é avaliada nas aulas havaneiras. Como poderiam ser diferentes? Como vamos pedir-lhes que não façam o que tanto viram ser feito?

Tradução por Humberto Sisley