Exames de ingresso: uma avaliação do ensino em Cuba

paraiso

Já não trajam uniformes azuis e alguns homens até exibem a cabeleira da rebeldia. Essa que nenhum professor lhes exigirá cortar – ao menos durante as próximas semanas – e que finalmente cairão ante a navalha do Serviço Militar Obrigatório. Ainda se vêem como estudantes, porém logo muitos deles estarão num pelotão marchando com um fuzil pendurado no ombro. São os jovens que exatamente por estes dias terminam sua vida escolar nos diversos pré-universitários de toda Cuba. Os exames de ingresso na Universidade ficaram para trás e nesta semana souberam os que conseguiram um lugar no ensino superior.

Nas cercanias das escolas as listas dos aprovados e reprovados falam por si só. O pré-universitário José Miguel Pérez – do município Plaza de la Revolución – poderia ser uma boa amostra para explicar a situação. Este centro docente apresenta um rendimento escolar dos mais altos dos pré-universitários da capital. Situação que se deve, em parte, a posição profissional e econômica do bairro que permite a muitos pais custear os chamados “repassadores” em horário extra-escolar para seus filhos. Apesar dessas características as estatísticas de fim de curso no dito PRE mostram mais alarme do que satisfação.

No mencionado pré-universitário de 233 estudantes que atingiram o 12o grau, 222 se apresentaram para os exames de ingresso, dos quais só 162 conseguiram aprovação em todas as provas. O resto deverá comparecer a segundas convocações ou se conformar com a reprovação. A maior incidência de notas baixas foi em Matemática, na qual só 51 alunos conseguiram entre 90 e 100 pontos. Na lista de carreiras desejadas as especialidades pedagógicas figuravam nos últimos postos. “Para garantir algum lugar, mesmo que se vá mal às provas”, corroboravam com – certo impudor – esses potenciais mestres de amanhã.

Estatísticas do pré-universitário José Miguel Pérez

examenes de ingreso

Princípio e fim (?) de um erro

Os jovens que terminam neste ano o ensino médio superior são o produto das experimentações educativas que começaram com a chamada Batalha de Idéias. Hoje tem uma idade entre 17 e 18 anos, de modo que começaram o secundário básico quando o programa de Mestres Emergentes ganhava força. Formaram-se em aulas onde o televisor e o projetor de vídeos eram os protagonistas na falta de professores suficientemente capacitados. Nos momentos mais difíceis chegaram a contar ao menos com 60% das aulas por meio de uma tela. Chegaram à puberdade em meio ao aumento da doutrinação ideológica. Se bem que é certo que esta sempre foi inerente ao ensino das últimas cinco décadas em Cuba, atingiu seu clímax após o caso do menino Elián González. Fidel Castro aproveitou este fato, nos finais dos anos noventa, para dar uma volta no parafuso no discurso político em todas as variáveis da vida nacional.

Os graduandos do décimo segundo grau nas últimas semanas constituem a primeira fornada que não teve que fazer os pré-universitários no campo. Notícia agradável para os próprios jovens e, especialmente, para seus pais. Não obstante os reajustes docentes que esta mudança provocou, obrigaram a renovação dos planejamentos de estudo, livros e cadernos. Os mestres que vinham das chamadas becas tiveram que se adaptar as novas condições. Apesar das dificuldades do anterior regime de internação, estas escolas no campo constituíam sítios de contato direto para o corpo docente, lugares de contato direto com os camponeses que vendiam ou trocavam mercadoria agrícola. Dos poucos incentivos para trabalhar num lugar assim estava a possibilidade de levar algumas bananas, manga, carne de porco ou frutas para a cidade por um preço muito mais barato do que nos mercados de Havana. A perda desse pequeno privilégio fez alguns mestres desistirem de continuar na senda da docência.

Memorizar ou questionar?

As inúmeras horas perdidas nas aulas por falta de assistência dos professores é outro dos sinais diferenciais dos recém saídos. Há que se acrescentar o menoscabo do caráter investigativo no ensino de ciências, dada a deterioração ou ausência dos laboratórios de química, física e biologia. Em muitos pré-universitários foram automaticamente cancelados as experiências com substâncias químicas, frente ao desabastecimento e o temor que os estudantes tivessem acesso a elas. As aulas de educação física, computação e inglês foram às grandes perdedoras no êxodo de professores para outros setores de trabalho. A educação pré-universitária enfatizou a aprendizagem por memorização de datas, nomes e acontecimentos, sem avançar na criação de critério próprio, espírito questionador ou capacidade de discernimento. Os graduados podem reter em sua cabeça anos e dias importantes da história pátria, porém não conseguem formar opinião própria sobre o acontecido neles.

A qualidade da grafia, a boa ortografia e o uso correto do espanhol tampouco se erigiram como objetivos docentes. Em setembro próximo chegarão às aulas universitárias estudantes com sérias deficiências nestes três aspectos. Porém isso não significa que vão encontrar exigências excessivas ou um programa de estudos que não poderão cumprir. Entram numa Universidade muito longe da qualidade docente já mostrada em Cuba. No ranking de Universidades Latino Americanas destes 2013 La Colina de Havana caiu do posto 54 para o 81,outro sinal que aponta para a urgência de revisar todo o modelo educacional. O próprio nível escolar dos novos ingressados no ensino superior tem obrigado a diminuir a lista de exigência.

A brincadeira com a alquimia do aprendizado, os seguidos experimentos marcados mais pelo voluntarismo do que pela análise científica, a presença excessiva da ideologia em cada matéria, o fomento de mentalidades dóceis e não questionadoras, o pouco acesso dos estudantes a bibliografia atualizada (leia-se Internet) e a fraude escolar como prática que floresce onde se ausenta a ética estão minando um dos grandes pilares da identidade nacional. Esse que é formado pelo conhecimento, a academia e a docência. Porém não se pode remediar um problema se não se confessa que existe. Desse modo que enquanto se segue falando em tom triunfalista sobre a educação cubana, esta continuará afundando-se na mediocridade, na deterioração material e pedagógica.

Tradução e administração do blog em língua portuguesa por Humberto Sisley de Souza Neto

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